sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Relato II. Desabafo...

Lendo, ainda a pouco, um relato de parto lindo, cheio de amor de uma mãe que desejava muito ter um bebê em seus braços, me senti um pouco estranha. No relato, a mãe descreve o processo lindamente, e tudo aconteceu como ela havia planejado: a bolsa estorou de madrugada, ela tomou um banho, arrumou as coisas com calma, foi para o carro com o marido, chegaram na maternidade, foram bem atendidos, o bebê nasceu, a mãe foi para o quarto junto com o bebê, amamentou e dali dois dias foram pra casa e viveram felizes pra sempre.

Que sonho!! Quando estava grávida, me aproximando do momento do parto, não fiquei tão tranquila quando eu gostaria. Porém, eu tinha uma certeza de que tudo estava sob controle, e quem controlava toda a situação era eu.

Eu imaginei assim:

Na madrugada, começaria sentir as contrações, o Rapha me ajudaria a contar os intervalos, eu iria ligar pra Cecília (minha doula), ela chegaria lá em casa e eu estaria no banho sentada na bola de fisioterapia, terminaríamos de arrumar as malas. Quando as contrações estivessem ritmadas de 5 em 5 minutos eu ligaria pro meu médico e pra minha mãe (não avisaria mais ninguém). Chegaria na maternidade, seria internada, ficaria na sala de pré-parto com o Rapha e com a Cecília, logo iria pra sala de parto, a Ana nasceria e iria direto pro meu colo pra ser amamentada. Um tempo depois O Rapha levaria a Ana pra pesar, medir, limpar... Depois eu iria pro quarto e lá estaria meus dois grandes amores (Ana e Rapha). Dias depois estaríamos em casa e seríamos felizes para sempre.

Geralmente é assim:

Quando a gestante chega na maternidade, faz o toque com um plantonista, é internada, fica sozinha naquela sala horrososa de pré-parto (onde ninguém pode entrar senão a equipe médica), fazem raspagem, lavagem intestinal, o médico entra na sala só pra escutar o coração do bebê e fazer o toque pra acompanhar a dilatação, a equipe médica só fica esperando a gestante ter dilatação total pra ir pra centro cirúrgico, daí entra o pai que 'pega o bonde andando', o bebê nasce, o pediatra mostra o bebê para a 'mãezinha' e pro 'paizinho', vai para outra sala limpar o bebê, medir, pesar, aspirar (coitado do bebê...) e só depois ele vai para o quarto encontrar a mãe para mamar...

Não foi de um jeito, nem de outro:

O final da minha gestação foi um tanto quanto conturbada: tive que trocar de plano de saúde pois não estava satisfeita com o plano antigo, mas não obtive sucesso. Tive que arcar com uma carência de 1 mês para consultas e 6 meses para o restante das coisas que o plano cobria. Enfim: não adiantou quase nada. Permaneci com o mesmo obstetra e com a mesma maternidade do plano antigo.

Com 39 semanas e 6 dias, fui numa consulta com uma outra obstetra (fora do meu plano de saúde) que me examinou, disse que eu estava com 4 de dilatação, que eu já estava em trabalho de parto e me sugeriu ir para a maternidade. Chegando lá fui super mal atendida, ninguém ligou para o plano de parto que eu havia feito com tanto carinho... Chorei, chorei muito. Minha mãe estava comigo e, tentando me ajudar, disse: "agora não é hora de brigar, faça como eles querem...". Nããão!! Minha doula tinha que ficar comigo!! Era meu direito!! Aliás: todas as gestantes brasileiras têm direito a um acompanhante da sua escolha durante o trabalho de parto, parto e pós-parto. Depois de muito chorar e lutar pelos meus direitos, minha doula, o Rapha e o Dr. Flávio (meu obstetra) chegaram. Segundo a plantonista que me examinou disse que eu teria que ser internada naquele momento. Mas eu não queria ser internada ainda: minha dilatação estava de 5 pra 6, mas não sentia nenhuma dor durante as contrações e a bolsa não tinha estourado... Apesar de tudo, eu ainda estava me sentindo bem e queria poder ficar o máximo de tempo com a minha mãe, com o Rapha e com a Cecília, todos juntos! Como meu plano só cobria enfermaria (quarto coletivo), resolvi pagar uma diária por uma suíte e poder ter todos comigo durante um tempo, e, depois que a Ana nascesse, o Rapha poderia ficar comigo no quarto sem problemas. Chegando todos no quarto, o Dr. Flávio fez o exame de toque e a bolsa estourou. Fomos, Cecília e eu para a sala de pré-parto. Uma sala pequena, fria, com dois leitos, paredes brancas com um relógio pendurado. Havia uma bola de fisioterapia: passei a maior parte do TP sentada nela, fazendo movimentos que aliviavam um pouco da dor e recebendo massagens da Cecília. De tempos em tempos o Dr. Flávio entrava pra fazer o toque e escutar os batimentos cardíacos da Ana. Cecília foi um anjo, se não fosse ela, não sei o que teria sido do meu parto. Já o meu obstetra... Quando ele pedia pra eu fazer força e eu não queria, a gente "brigava"... o Rapha disse que me escutava lá da sala de espera eu dizendo que não queria fazer força... Fiquei com dilatação total um bom tempo e a Ana tava bem 'alta', as contrações foram ficando muito fracas e eu acabei aceitando a ocitocina. Fomos pro centro cirúrgico, O Rapha chegou. Não me deram opção deposição senão ficar deitada, felizmente não foi uma posição incômoda, mas gostaria de ter tido mais liberdade pra procurar a melhor posição para parir. Logo que aplicaram a ocitocina as contrações ficaram bem fortes fazendo com que eu tivesse mais força pra fazer a Ana nascer. Cecília e Rapha seguravam a minha cabeça e outras duas enfermeiras empurravam a minha barriga para fazer a Ana sair. O que me deixa chateada é que nessas horas ninguém conversa com a gestante, simplesmente a equipe médica vai fazendo o que o médico manda fazer e pronto. Nenhum sorriso, nenhuma palavra para deixar a parturiente mais tranquila, mais calma... Só falavam pra eu não gritar quando fizesse força. E só. Nada mais. Tentei me concentrar e só pensar que a Ana estaria em meus braços em poucos minutos. E era isso que me dava mais força para fazer ela nascer.

Quando a Ana nasceu foi aquela correria, não sei até hoje como tudo aconteceu naquele momento. A pediatra pegou minha filha, mostrou pra mim e pro Rapha durante 2 segundos e saiu correndo. Ana aspirou mecônio, foi entubada na mesma hora. A pediatra voltou tempos depois e explicou tudo com 'calma' pra nós, mas no momento lembro de não ter entendido absolutamente nada do que ela disse, só que minha filha estava na UTI e eu não poderia vê-la. Eu senti que minha filha estava bem, e por mais incrível que possa parecer, eu não fiquei preocupada. Triste, sim. Em prantos.

Todos foram embora e me deixaram deitada sozinha, no escuro no centro cirúrgico. Ninguém me explicou nada, quanto tempo eu ficaria ali e porquê eu tinha que ficar sozinha. Acho que fiquei ali durante uma hora. Ouvia duas enfermeiras conversando lá longe, pela fresta da porta eu enxergava uma delas de costas, sentada numa mesa. Vomitei, acho que pelo esforço durante o parto. Chamei a enfermeira, ela demorou pra vir. Ela limpou um pouco da sujeira que eu fiz e saiu. Depois de uma eternidade fui levada ao quarto ainda meio tonta e sem saber o que pensar. Dormi do jeito que estava mesmo. O Rapha passou a noite no quarto comigo e dormiu no sofá que tinha na sala de estar da suíte. Acordei algumas vezes durante a noite. Tive pesadelos. Quando despertei, tomei banho, tomei café. Eram 7h da manhã e o Rapha ficou como uma 'barata tonta' no hospital perguntando quando é que poderíamos ver nossa filha. Cada um dizia uma coisa diferente. Ficamos até 11h da manhã nessa luta, que foi quando finalmente pudemos ver e tocar naquele ser mais querido e amado do mundo. Minha filha: simplesmente linda, perfeita com seus dedinhos longos, o nariz redondinho e arrebitado, uma boquinha de grandes lábios e os maravilhosos olhos de jabuticaba. Ela já não estava mais entubada. Porém, envolta de fios de monitoramento, tubos e acessos. Chorei. E muito. Passei dois dias chorando, sem parar. Entrei em depressão. A psicóloga do hospital tentou me ajudar, assim como o Rapha, os familiares e amigos. Mas nada adiantava.

No fim da tarde passei para um outro quarto (enfermaria, que era o que o meu plano de saúde combria, pois não era viável pagar mais uma diária para ficar na suíte). Eu sabia que teria direito de ter um acompanhante no quarto coletivo, mas não quis incomodar ninguém que teria que passar a noite numa cadeira, sem conforto só pra me acompanhar durante a noite. A psicóloga passou no meu quarto e conversamos bastante. Chorei mais um outro tanto. Voltei para a UTI Neonatal para ver a Ana. Eu não podia pegar ela no colo, pois toda aquela 'parafernalha' não deixava, e ela tinha que ficar com uma espécie de 'caixa' de acrílico trasparente sobre a cabeça, pois ajudava ela com a oxigenação.

Enfim: foi uma semana muito difícil.

  • No quarto, tive a compania de uma mãe que fez uma cesárea eletiva (com medo da dor).

  • Conheci uma mãe da UTI Neo que estava há 3 semanas com seu bebê aos cuidados das enfermeiras e pediatras.

  • Não fiz amizade com nenhuma enfermeira, aliás nem conversava muito com elas. Me passavam uma frieza no coração, um tanto quanto antipáticas, nenhum sorriso, nenhuma palavra de afeto, carinho... Nem 'Bom dia! A sua filha está bem, que bom que você tá aqui." Parece que não fazem questão nenhuma de entender um 'tiquinho' a situação que cada mãe está passando ali. Bom... talvez faça parte do trabalho delas não se envolver, só cuidar dos bebês e pronto.

  • Ana Clara teve icterícia. Ficou 5 dias em fototerapia.

  • Não fazia a mínima questão de visitas, mas a família (já viu, né?!) não aguentou de curiosidade. Tudo bem.

  • Não tirei fotos.

Entre tantas outras coisas que aconteceram que eu poderia escrever um livro. Mas... os dias se passaram, e a Ana tá crescendo linda e se desenvolvendo maravilhosamente bem. (Meu Deus... como minha filha é linda!!)

Mas ainda não superei o ocorrido. Choro muito (muito mesmo) quando lembro disso, fica um nó na minha garganta e um aperto forte no coração. Tenho certeza que nunca vou esquecer (e nem quero). Mas espero poder contar essa história pra Ana mas sem lágrimas nos olhos.

Imagem: arquivo pessoal. Foto de Daniel Isolani. Ana Clara quase chorando no colo da dinda e a prima tentando consolá-la.


2 comentários:

  1. Ai Isa! Sabe que depois de ler, lembrei de como fiquei quando sua mãe me explicou o que tinha acontecido. Nossa... Na verdade eu, como tia (e dinda!!) senti um vazio enorme. A gente espera tanto, faz tantos planos e não acontece como esperávamos. E, até conseguir vê-la, fiquei com o vazio, só imaginando como ela seria. Quando fui ver a Ana na UTI, foi muito engraçado, porque a Tia olhava com pena, sei lá, ela fica desesperada. Mas acho que já estou tão calejada por causa da Dani que só senti alegria em ver aquela fofura, que chutava minha mão, achei a Ana tão forte, tão robusta e coradinha!!! LINDA! Me senti Tia de verdade, ela segurou minha mão com força! Tive a certeza que ela estava ótima. Cheguei a questionar a permanência dela ali. Enfim... Passou. E te digo, não podemos esquecer o que aconteceu de ruim, que saiu do nosso controle. Temos que crescer com tudo isso. Essas situações fortalecem, quantas mães que podem e não amamentam o filho logo que nasce, ou prefere ganhar o filho na maternidade que tem berçário e pode descansar antes de ir para casa. a Ana já vai fazer 8 meses, come bem, mama bem, é muito forte e saudável. E você, é a melhor mãe do mundo para ela.
    Beijokas

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  2. Isa! Grande Guerreira! Você sabbe que eu imagino a tristeza (e acho que revolta também né!) pelo que vc passou. Graças a DEUS a Ana é muito maior que tudo isso que viveu ao nascer e nós, mães, e futuras mães, sendo submetidas à essas "equipes" de profissionais sem noção que ainda infelizmente estão em maioria nos partos, temos que ser cada vez mais fortes para lutar pelos nossos direitos e contribuir para que LOGO a situação melhore. Ainda tenho que fazer meu relato de parto, (parabéns pelo seu desabafo!) e assim, dividindo, discutindo, informando, vamos quem sabe ajudar a mudar um pouco o futuro e espero muitas mães ainda nos agradecerão, mesmo que sem saber. Parabéns Isa e Ana, pelas guerreiras que são! Os Anjinhos tomam conta de nós e logo você transmutará este sentimenta chato na sua memória. A Ana com certeza já renasceu de verdade ao estar nos seus braços envolta com tanto amor. Mil Beijuls

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